Se existe um ponto comum entre as cozinhas do mundo, ele começa com uma panela quente e o som inconfundível de algo sendo refogado. Antes mesmo do sal e da pimenta, vêm os aromas. Toda cultura gastronômica desenvolveu seu próprio trio aromático, ou sua base culinária, usada na formação de molhos, sopas, ensopados e guisados. Entre os mais icônicos e influentes no Ocidente, estão o mirepoix, sofrito e refogado. O mirepoix, originário da França, o sofrito, de origem espanhola, e o refogado, popular em Portugal e por consequência, no Brasil. Três expressões culturais de um mesmo gesto ancestral: o de extrair sabor pela paciência do fogo baixo.
Mirepoix:
- Nascido da tradição francesa, é clássico, técnico e contido. Compõe-se de cebola, cenoura e salsão (na proporção tradicional de 2:1:1), cortados em cubos e cozidos lentamente na manteiga até ficarem macios, mas sem dourar.
- O tamanho do corte, depende do uso: cubos pequenos para preparos rápidos, e cubos grandes para caldos e preparos de cozimento lento.
- A ideia é extrair a doçura natural desse vegetais para formar a base neutra de caldos (fonds), sopas (potages), molhos e preparos refinados.
- E por falar em extração, o mirepoix é usado como um ingrediente aromatizante, o que significa que normalmente os vegetais são coados ou removidos do prato ao final do processo de cozimento.
- É uma estrutura invisível, mas essencial, na construção dos sabores da alta gastronomia francesa.
Sofrito:
- Como muito que vem da Espanha, é mais ardente e vibrante – reflexo da cozinha mediterrânea.
- Ele varia de região para região, mas geralmente inclui alho, cebola, tomate e pimentão, muitas vezes cozidos em azeite até se desmancharem em um fundo espesso e caramelizado.
- É a alma das paellas, das fabadas e de tantos outros guisados ibéricos.
- Também está presente em muitos países latino-americanos, com suas próprias adaptações.
Refogado:
- De origem portuguesa e amplamente utilizado no Brasil, é uma ponte entre os dois mundos.
- Herança direta da Península Ibérica, ele começa com alho e cebola picados, quase sempre dourados em óleo ou azeite, com variações que permitem pimentão, tomate ou até cheiro-verde ou louro.
- No Brasil, em especial, o refogado se popularizou como o passo inaugural de quase toda receita salgada – do arroz de todos os dias ao feijão da semana, passando por moquecas, farofas e outros pratos os mais diversos.
Essas três bases refletem não só sabores distintos, mas também filosofias de cozinha: o mirepoix respeita proporções e técnica; o sofrito busca intensidade e identidade regional; o refogado, versatilidade e improviso.
Outras Técnicas de Base de Sabor:
Além desses pilares, o mundo está repleto de outros fundamentos aromáticos, menos conhecidos fora de seus territórios, mas igualmente marcantes.
- Battuto e soffritto italianos começam com cebola, alho, salsão, cenoura e ervas, finamente picados e refogados lentamente, servido de base para ragus, sopas e risotos.
- Na Alemanha, o suppergrün (literalmente ‘folhas verdes’) reúne alho-poró, cenoura e aipo, usados como bouquet para caldos e sopas. Muitas vezes, são encontrados já embalados em supermercados, prontos a serem utilizados.
- Na Polônia, o wloszxzyzna (literalmente ‘coisas italianas’) é um conjunto aromático semelhante ao alemão, trazido por uma rainha italiana no século XVII. Pode conter também nabo, repolho e couve branca.
- No sul dos EUA, a base cajun conhecida como holy trinity (Santíssima Trindade) inclui cebola, pimentão verde e aipo, frequentemente refogados em manteiga para preparos como gumbo, étouffée, jambalaya e outros pratos famosos da culinária cajun e crioula.
- Do outro lado do planeta, encontramos combinações como a base cantonesa chinesa, com cebolinha, gengibre e alho, ou a fundação da cozinha de Sichuan, que pode incluir alho, gengibre, pimentas secas (pimenta sichuan, malagueta e branca) e pasta de feijão fermentado – sabores complexos e ardentes.
- Em Porto Rico temos o recaito, uma mistura de culanto (uma erva de folhas largas e recortadas, com um sabor semelhante ao coentro) ajices dulces (um tipo de pimenta chile pequena), cebolas, pimenta cubanela e alho. Finamente picados, resultam em uma pasta verde brilhante e suave, que inicia guisados e pratos de arroz com ponche de ervas fresco
Conclusão
Em cada canto do mundo, uma combinação de ingrediente simples, geralmente vegetais aromáticos, é transformada pelo calor em algo profundamente saboroso. O mirepoix, o sofrito e o refogado representam muito mais do que técnicas culinárias. São expressões de identidade cultural, rotinas familiares e histórias, passadas de geração em geração. Ainda que diferentes nos ingredientes ou no tempo de cocção, todos têm a mesma missão: construir camadas de sabor desde o primeiro instante da receita.
Conhecer e dominar essas bases é como aprender um idioma universal da gastronomia – um idioma falado em cebolas douradas, alho perfumado e sons de panelas borbulhantes. E como toda boa língua, ele tem sotaques, dialetos e gírias. Descobrir o que se esconde por trás de um simples refogado é abrir caminho para cozinhar com mais consciência, sabor e pertencimento.
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